" A minha pintura é esta: o viver, o estar cá."
Lourdes Castro
... albúns de famílias de sombras, teatro de luz/sombra, os gestos lentos do dia-a-dia como se solenes, leves movimentos, a
linha do horizonte que se transforma,
a casa e as
plantas ....
sola em BsAs em boa companhia, com o documentário sobre Lourdes Castro de Catarina Mourão, "Pelas sombras"" Vem ver a pintura que estou a fazer. Um bocado grande, não cabe em museu nenhum. E tão pequena, tão pequenina que todos que passam por aqui nem dão por isso. Uma tela com forma esquisita. O que vale é que não é preciso esticá-la. Por si só, ela está sempre pronta a receber pinceladas, ventos, estações, chuva, sol....".(...)
" Momentos resgatados ao fluxo de consumo da vida. Gestos diários projetados sobre um lençol, demorados, atentos. Fugacidade aparente que esconde uma permanência a encontrar. Também percebemos este impulso no
Herbário de sombras, um catálogo meticuloso, científico quase, daquilo que vai deixar de ser, que passa. Como no constante regresso desenhado à sombra projetada das flores sempre novas nas jarras – desenho que começa no cuidado com que trata, apanha e arranja as flores e escolhe a jarra. Sempre
em volta de um centro. Não tanto as sombras, quanto a artista. Estas obras são assim prolongamento ascético de uma vida ascética, centrada. Fruto de uma perceção atenta, de uma disponibilidade genuína (descentrada) – e sabemos como a arte do arranjo floral (Ikebana) é um caminho de sabedoria e espiritualidade, tão nobre como o tiro com arco ou a cerimónia do chá. (...)
Segundo Plínio, a arte da pintura surgiu na Grécia, com o desenho do contorno da sombra projetada sobre o muro daquele que vai viajar, delineado por aquele que fica.
A sombra é sinal, vestígio, presença de uma ausência que não se quer, ou não se pode, esquecer. Mas na obra singular de Lourdes Castro a morte não tem a última palavra, e a cor, a fluorescência, a transparência dão-nos a face da alegria. A brevidade da vida e o seu carácter transitório não encontram aqui a angústia, mas a compreensão. A sombra é sempre a tinta da luz, remete para ela e não para a obscuridade. Em Lourdes Castro, a
sintonia com a vida, procura de todas as horas, revela-se numa demanda do essencial presente, aqui e agora: a flor, o fruto, a pedra, o gesto, o outro, a carta, a sombra da vida que se faz ou recebe. A procura da justiça e rigor, outros nomes para a verdade."
Paulo Pires do Vale